Com a ausência de apenas uma juíza nas sessões de apreciação e votação, que decorreram esta terça e quarta-feiras, os 10 juízes presentes, numa rara unanimidade, concluíram que o acórdão do Tribunal Supremo “viola vários princípios constitucionais fundamentais, incluindo o princípio da legalidade, do direito à defesa, do julgamento justo e conforme e do contraditório”.
Assinado pelos 10 juízes presentes, liderados por Laurinda Prazeres Monteiro Cardoso, a juíza-presidente da corte, o acórdão do Tribunal Constitucional nota que, além da Constituição da República de Angola, a decisão do plenário do Supremo viola a Declaração Universal dos Direitos do Homem, no que diz respeito ao Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos, e a Carta Africana dos Direitos dos Homens e dos Povos, instrumentos reconhecidos e ratificados pelo Estado angolano.
Entre outros aspectos, na sua apreciação, o Tribunal Constitucional sublinha o facto de quer o Ministério Público quer o Tribunal Supremo terem negado aos réus o direito à defesa, ao terem recusado a audição do então Presidente José Eduardo dos Santos, considerada “peça fundamental para a descoberta da verdade material”, até pelo próprio Tribunal Supremo. Os juízes do Constitucional valorizaram as reclamações dos réus que observaram o facto de o Tribunal Supremo, a certa altura, ter aceitado declarações escritas de José Eduardo dos Santos, sem que, entretanto, as tivesse valorizado como meio de prova, com a explicação de que eram semelhantes aos argumentos da defesa, sem o levantamento de um incidente de falsidade.
Face aos argumentos do Tribunal Constitucional, os vícios de inconstitucionalidade do processo começaram a ter lugar desde a instrução preparatória, na Direcção Nacional de Investigação e Acção Penal, considerando que foi a partir desta fase em que o titular da acção penal, no caso o Ministério Público, começou por recusar a possibilidade de defesa aos réus, ao afastar a audição de figuras-chave para a descoberta da verdade material.
Apesar de terem aguardado todo o processo em liberdade até à Tribunal Constitucional, pronunciamentos públicos próximos da defesa e vários especialistas consideraram sempre a situação dos quatro réus equivalente a de uma prisão a céu aberto, uma vez que viram vários direitos coartados, incluindo o de ir e vir, com os passaportes retidos na justiça, apesar de o próprio Tribunal Supremo ter autorizado, em Junho de 2019, em acórdão, o levantamento de todas as restrições impostas pelo Ministério Público, com excepção do Termo de Identidade e Residência.
José Filomeno dos Santos, Jorge Sebastião, Valter Filipe e Samalia Bule têm estado impedidos de se deslocar fora do território de Luanda, há exactos seis anos, altura em que a Procuradoria-Geral da República decidiu avançar com o processo criminal, apesar de o Estado angolano ter assinado, com os réus, um acordo de consenso em Londres que permitiu o regresso dos 500 milhões de dólares e, nos termos do qual, as partes ficaram comprometidas em abster-se de qualquer processo criminal.